Com 150 assassinatos, fronteira é um dos lugares mais perigosos do País

A cada dois dias uma pessoa é assassinada a tiros na fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai.

Os quase 150 crimes de homicídio registrados mais precisamente no trecho entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, no lado paraguaio, o mais sangrento na fronteira entre os dois países, fazem do local um dos mais violentos do Brasil.

Os dados apontam que se mata até duas vezes mais na fronteira que nas regiões com as maiores incidências criminais das duas maiores cidades brasileiras: São Paulo e Rio de Janeiro.

Na capital paulista, o trecho na extrema Zona Sul, formado pelos bairros Capão Redondo, Jardim Ângela e Parelheiros já foi tema de filme e até de novela, além de ter sua rotina sangrenta nos anos 1990 cantada por músicos como o grupo de rap Racionais MC's. "Essa p... é um campo mimado, onde vale muito pouco a sua vida", declamava o vocalista Mano Brown na música "Fórmula Mágica da Paz", do álbum "Sobrevivendo no Inferno" de 1997. Na ocasião, os índices do Governo do Estado de São Paulo apontavam para uma verdadeira guerra civil, taxa de 108 homicídios por 100 mil pessoas.

Neste ano, contudo, os índices da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo mostram números, digamos, tímidos: as duas delegacias responsáveis pelos temidos bairros, que somados representam uma área duas vezes maior que Ponta Porã e Pedro Juan juntas, registraram 25 casos de assassinatos até setembro.

No Rio de Janeiro, a temida Baixada Fluminense, região metropolitana da capital, responsável por crimes que permeiam o noticiário nacional, não fica atrás. Dados do governo fluminense apontam a delegacia de plantão de Nova Iguaçu com o maior número de casos de homicídios registrados: 45 até o mês passado. No início dos anos 2000, eram 127, segundo os dados históricos da extinta secretaria da segurança, no mesmo período.

BRUTALIDADE

Os casos se sucedem. E mostram o sadismo dos atiradores.

Na última terça-feira (15), um homem de 31 anos foi morto a tiros na frente do próprio filho, de 10 anos, no início da tarde, em Ponta Porã. Segundo a polícia, após o crime um dos assassinos pediu desculpas à criança pelo crime, por terem errado o alvo.

A informação é confirmada por vizinhos de Aldo Vera Cabrera, que morreu após ser atingido com dois tiros de pistola calibre ponto 9 milímetros na cabeça.

"Era um grupo de cerca de cinco homens, três deles em um carro preto, os dois armados em uma moto. Quando dois deles saíram da casa, gritaram para o resto que tinham errado, que erraram, que não era quem era para morrer", disse um morador da mesma rua por telefone, que pediu para não ser identificado.

De acordo com informações da polícia, os dois assassinos chegaram na moto e invadiram a casa. A vítima estava na sala, brincando com o filho e foi baleada sem tempo sequer de esboçar qualquer reação.

A dupla teria conferido a carteira de Cabrera e, ao constatarem o erro, pediram desculpas ao garoto antes de fugirem.

O caso é investigado, mas como quase sempre acontece, nenhum suspeito do crime foi sequer identificado..

"O antigo morador estava há uns cinco anos aí (na casa). Era discreto, não falava com ninguém. Do nada vendeu tudo correndo, a casa, o carro, e foi embora. Pessoal aqui (na rua) sempre via moto e carro estranho passando devagar na porta", disse.

AÇÕES

Ponta Porã e Pedro Juan, as cidades-gêmeas, sofrem com a guerra travada pelas facções criminosas brasileiras pelo controle da rota de tráfico de armas e drogas. 

O prefeito da cidade vizinha Tacuru, Carlos Alberto Pelegrini, disse que, embora fora da fronteira seca, a situação não é confortável. "A gente não tem fronteira seca com o Paraguai, mas estamos perto de Sete Quedas e Paranhos, que fazem fronteira seca. Queira ou não, tais ações nos trazem preocupação", disse ele, destacando que a população fica insegura, apesar dos momentos de "paz". "É assim, às vezes vivemos momentos de violência e, às vezes, está tranquilo".

Por sua vez, a prefeita Maricleide Marques, de Antônio João, chegou a mudar algumas rotinas para evitar violência. "Eu particularmente não viajo à noite para lá [Ponta Porã], por causa dos crimes", disse ela, ressaltando que a população também se sente insegura. "Muitos munícipes procuram atendimento de saúde em Ponta Porã e fazem compras lá. São nossos vizinhos, parceiros, mas a gente sabe que a criminalidade traz insegurança".

Em Aral Moreira, que faz fronteira com a zona rural do Paraguai, o prefeito Alexandrino Garcia disse que, apesar de ser rota do tráfico, a cidade é tranquila. Mesmo assim, há preocupação. "Temos conversado com o governo do Estado, pedindo aparelhamento da Polícia Militar e da Polícia Civil. Também pedimos construção de um novo destacamento militar", afirmou.


Ele reconhece o trabalho realizado pelas forças de segurança, a exemplo do Departamento de Operações de Fronteira (DOF), mas garante que o local não está imune. "Somos corredor [do tráfico] e aqui já aconteceram casos graves, como explosão de banco. Houve ataque contra policiais que foram rendidos pelos criminosos".

No fim de setembro, o governador de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), decretou nesta segunda-feira (30), através do Diário Oficial, a criação de um fundo especial para que o Estado tenha acesso às verbas de até R$ 13 milhões vindas de repasse da União por meio do Fundo Nacional da Segurança Pública.

Segundo o texto, fica instituído o Fundo, Conselho e Política Estadual da Segurança Pública, que foi aprovado em regime de urgência na Assembleia Legislativa do Estado na última semana.

O dinheiro, no entanto, é menor do que o Estado previa inicialmente. Dono do segundo maior repasse do País, atrás somente de São Paulo, Mato Grosso do Sul vivia quando do anúncio, em agosto, a expectativa de verbas de até R$ 89 milhões. Mas o montante caiu drasticamente após os cortes provocados pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro.

Segundo fontes da Secretaria de Estado da Justiça e Segurança Pública (Sejusp), o valor pagaria, em tese, apenas o custeio dos cerca de 7 mil presos por crimes federais nas unidades penais do Estado por um mês.

Ainda de acordo com  o texto, foram criados a Política Estadual de Segurança Pública e Defesa Social (PESPDS), o Conselho Estadual de Segurança Pública e Defesa Social (CONESP) e o Fundo Estadual de Segurança Pública (FESP). Cada um deles com orientações, diretrizes e regras a serem cumpridas pelo Governo do Estado.

Segundo o decreto, as três novas autarquias deverão receber os recursos vindos da União, distribuir e avaliar os gastos, além de acompanhar o andamento das diretrizes criadas e propor mais programas, projetos e ações a serem desempenhadas em conjunto com órgãos municipais, estaduais e federais.

Conforme o decreto, é proibida a utilização dos recursos do Fundo Estadual de Segurança Pública para pagamento de despesas e encargos sociais relacionados com pessoal civil ou militar, ativo, inativo ou pensionista; em unidades de órgãos e entidades destinadas exclusivamente à realização de atividades administrativas. 

Também foi instituído o Seisp (Sistema Estadual de Informações de Segurança Pública, Prisionais e de Drogas), sistema de controle e transparência a ser regulamentado com a finalidade de armazenar, tratar e integrar os dados e informações com o Sistema Nacional, com vistas à formulação, implementação, execução, acompanhamento e avaliação das seguintes políticas públicas: segurança pública e defesa social; sistema prisional, execução penal e assistência socioeducativa; enfrentamento ao tráfico de armas e drogas ilícitas e outros crimes.  

VERBA

Apesar do decreto prever uma série de realizações, como acompanhamento médico e até promoção de um sistema habitacional destinado exclusivamente aos profissionais da segurança, o Governo do Estado tem outros planos para o dinheiro.

Ainda em agosto, o então governador em exercício, Murilo Zauith (DEM), afirmou que o dinheiro seria usado na reestruturação do Departamento de Operações de Fronteira (DOF).

Atualmente, o departamento atua em 51 municípios do Estado, com a presença mais efetiva nos 730,8 quilômetros de fronteira seca, dos mais de 1.500 quilômetros de fronteira com o Paraguai e a Bolívia abrangendo, inclusive, uma extensa área rural.